sexta-feira, 6 de outubro de 2017

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Mévio, já qualificado nos autos do pedido de “Habeas Corpus” nº. ____, por seu advogado ao final subscrito, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, e dentro do prazo legal, não se conformando, data vênia, com o venerado acórdão denegatório da ordem, INTERPOR para o Superior Tribunal de Justiça RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL, com fundamentos no art. 105, II, “a”, da Constituição Federal, combinado com os arts. 30 e 32 da Lei 8.038/1990.
Nestes termos, apresentando desde já suas razões, requer-se seja o mesmo recebido e encaminhado ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Pede deferimento
Local, data
Advogado
OAB nº. ___

RAZÔES DO RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL PACIENTE MÉVIO HABEAS CORPUS Nº.__
Egrégio Superior Tribunal de Justiça
Colenda Turma
Doutos Ministros
Douta Procuradoria da República

Em que pese o alto prestígio do Egrégio Tribunal de Justiça, o venerando acórdão proferido, denegando o pedido de Habeas Corpus, não pode, data vênia, subsistir, pelas razões a seguir aduzidas.
DOS FATOS

O recorrente teve a prisão decretada pelo juiz do Tribunal da Comarca X, fundamentado-a na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, porém 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Historia de Mercado e Capitais

Antes da década de 60, os brasileiros investiam principalmente em ativos reais (imóveis), evitando aplicações em títulos públicos ou privados. A um ambiente econômico de inflação crescente - principalmente a partir do final da década de 1950 - se somava uma legislação que limitava em 12% ao ano a taxa máxima de juros, a chamada Lei da Usura, também limitando o desenvolvimento de um mercado de capitais ativo.

Essa situação começa a se modificar quando o Governo que assumiu o poder em abril de 1964 iniciou um programa de grandes reformas na economia nacional, dentre as quais figurava a reestruturação do mercado financeiro quando diversas novas leis foram editadas.

Entre aquelas que tiveram maior importância para o mercado de capitais podemos citar a Lei nº 4.537/64, que instituiu a correção monetária, através da criação das ORTN, a Lei nº 4.595/64, denominada lei da reforma bancária, que reformulou todo o sistema nacional de intermediação financeira e criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central e, principalmente, a Lei nº 4.728, de 14.04.65, primeira Lei de Mercado de Capitais, que disciplinou esse mercado e estabeleceu medidas para seu desenvolvimento.

A introdução da legislação acima referida resultou em diversas modificações no mercado acionário, tais como: a reformulação da legislação sobre Bolsa de Valores, a transformação dos corretores de fundos públicos em Sociedades Corretoras, forçando a sua profissionalização, a criação dos Bancos de Investimento, a quem foi atribuída a principal tarefa de desenvolver a indústria de fundos de investimento.

Com a finalidade específica de regulamentar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários, as Bolsa de Valores, os intermediários financeiros e as companhias de capital aberto, funções hoje exercidas pela CVM, foi criada uma diretoria no Banco Central - Diretoria de Mercado de Capitais.

Ao mesmo tempo, foram introduzidos alguns incentivos para a aplicação no mercado acionário, dentre as quais destacamos se destacam os Fundos 157, criados pelo Decreto Lei nº 157, de 10.02.1967. Estes fundos eram uma opção dada aos contribuintes de utilizar parte do imposto devido, quando da Declaração do Imposto de Renda, em aquisição de quotas de fundos de ações de companhias abertas administrados por instituições financeiras de livre escolha do aplicador.

Com o grande volume de recursos carreados para o mercado de acionário, principalmente em decorrência dos incentivos fiscais criados pelo Governo Federal, houve um rápido crescimento da demanda por ações pelos investidores, sem que houvesse aumento simultâneo de novas emissões de ações pelas empresas. Isto desencadeou o "boom" da Bolsa do Rio de Janeiro quando, entre dezembro de 1970 e julho de 1971, houve uma forte onda especulativa e as cotações das ações não pararam de subir.

Após alcançar o seu ponto máximo em julho de 1971, iniciou-se um processo de realização de lucros pelos investidores mais esclarecidos e experientes que começaram a vender suas posições. O quadro foi agravado progressivamente quando novas emissões começaram a chegar às bolsas, aumentando a oferta de ações, em um momento em que muitos investidores, assustados com a rapidez e a magnitude do movimento de baixa, procuravam vender seus títulos.

O movimento especulativo, conhecido como "boom de 1971", teve curta duração mas suas conseqüências foram vários anos de mercado deprimido, pois algumas ofertas de ações de companhias extremamente frágeis e sem qualquer compromisso com seus acionistas, ocorridas no período, geraram grandes prejuízos e mancharam de forma surpreendentemente duradoura a reputação do mercado acionário.

Apesar disso, notou-se uma recuperação das cotações, a partir de 1975, devido a novos aportes de recursos (as reservas técnicas das seguradoras, os recursos do Fundo PIS/PASEP, adicionais do Fundo 157 e a criação das Sociedades de Investimento Decreto Lei nº 1401 para captar recursos externos e aplicar no mercado de ações), além de maiores investimentos por parte dos Fundos de Pensão.

Ao longo do tempo, vários outros incentivos foram adotados visando incentivar o crescimento do mercado, tais como: a isenção fiscal dos ganhos obtidos em bolsa de valores, a possibilidade de abatimento no imposto de renda de parte dos valores aplicados na subscrição pública de ações decorrentes de aumentos de capital e programas de financiamento a juros subsidiados efetuados pelo BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social aos subscritores de ações distribuídas publicamente.

Foi dentro desse quadro de estagnação e tentativa de recuperação do mercado acionário que, em 1976, foram introduzidas duas novas normas legais, ainda em vigor: a Lei nº 6.404/76, nova Lei das Sociedades Anônimas que visava modernizar as regras que regiam as sociedades anônimas, até então reguladas por um antigo Decreto-Lei de 1940 e a Lei nº 6.385/76, segunda Lei do Mercado de Capitais que, entre outras inovações, que criou a CVM e introduziu no mercado uma instituição governamental destinada exclusivamente a regulamentar e desenvolver o mercado de capitais, fiscalizar as Bolsa de Valores e as companhias abertas.

Não obstante todos esses incentivos, o mercado de capitais não teve o crescimento esperado, ainda que em alguns momentos tenha havido um aumento na quantidade de companhias abrindo seu capital e um volume razoável de recursos captados pelas empresas através de ofertas públicas de ações tenha ocorrido durante a década de 1980.

Apesar da experiência pioneira para atrair capitais externos para aplicação no mercado de capitais brasileiro, representada pelo Decreto-Lei nº 1.401/76, o processo de internacionalização do mercado chega ao país no final da década de 1980, sendo seu marco inicial a edição da Resolução do CMN nº 1.289/87 e seus anexos.

A partir de meados da década de 1990, com a aceleração do movimento de abertura da economia brasileira, aumenta o volume de investidores estrangeiros atuando no mercado de capitais brasileiro. Além disso, algumas empresas brasileiras começam a acessar o mercado externo através da listagem de suas ações em bolsas de valores estrangeiras, principalmente a New York Stock Exchange, sob a forma de ADR'-s - American Depositary Reciepts com o objetivo de se capitalizar através do lançamento de valores mobiliários no exterior.

Ao listar suas ações nas bolsas americanas, as companhias abertas brasileiras foram obrigadas a seguir diversas regras impostas pela SEC - Securities and Exchange Commission, órgão regulador do mercado de capitais norte-americano, relacionadas a aspectos contábeis, de transparência e divulgação de informações, os chamados "princípios de governança corporativa".

A partir daí, as empresas brasileiras começam a ter contato com acionistas mais exigentes e sofisticados, acostumados a investir em mercados com práticas de governança corporativa mais avançadas que as aplicadas no mercado brasileiro. Ao número crescente de investidores estrangeiros soma-se uma maior participação de investidores institucionais brasileiros de grande porte e mais conscientes de seus direitos.

Com o passar do tempo, o mercado de capitais brasileiro passou a perder espaço para outros mercados devido à falta de proteção ao acionista minoritário e a incertezas em relação às aplicações financeiras. A falta de transparência na gestão e a ausência de instrumentos adequados de supervisão das companhias influenciavam a percepção de risco e, conseqüentemente, aumentavam o custo de capital das empresas.

Algumas iniciativas institucionais e governamentais foram implementadas nos últimos anos com o objetivo de revitalizar o mercado brasileiro de capitais, aperfeiçoando a sua regulamentação, e assegurando maior proteção ao investidor e a melhoria das práticas de governança das empresas brasileiras. Destacam-se entre elas a aprovação da Lei nº 10.303/01 e a criação do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).


I - A Reforma da Lei das Sociedades Anônimas
A Lei 6.404/76 passou por uma reforma significativa em 2001, empreendida pela Lei 10.303, de 31 de outubro. As alterações ocorridas tocam em alguns temas fundamentais do direito societário, em especial no que diz respeito às companhias abertas. Dentre os mais importantes, citaríamos os seguintes:

- nova proporção entre ações ordinárias e preferenciais (art. 15, §2º)
- alteração no regime de preferências e vantagens atribuídas às ações preferenciais (art. 17)
- reforço da disciplina relativa aos acordos de acionistas (art. 118, §§ 6º a 11);
- retorno do direito dos titulares de ações ordinárias à oferta pública obrigatória quando da alienação de controle (tag along), ao preço de 80% do valor pago por ação integrante do bloco de controle (art. 254-A)
- necessidade de realização de oferta pública obrigatória para fechamento de capital de companhia aberta (art. 4º, §§ 4º e 5º e art. 4-A)
- direito de certas minorias acionárias detentoras de determinado percentual de participação elegerem, por votação em separado, representantes no Conselho de Administração e Fiscal (art. 141, §§ 4º a 8º e art. 161, §4º).

Um dos principais objetivos da reforma da lei foi o fortalecimento dos direitos das minorias acionárias. É interessante observar que a maior parte das empresas que vieram a mercado a partir de 2004, ano que marcou a retomada das emissões de valores mobiliários, não se limitou às novas disposições trazidas pela reforma. Com efeito, grande parte dessas empresas terminou por consagrar em seus estatutos, voluntariamente, dispositivos ainda mais benéficos, sob o ponto de vista dos acionistas minoritários, do que aqueles introduzidos pela reforma de 2001. Assim, por exemplo, a quase totalidade das novas companhias tem seu capital composto exclusivamente por ações ordinárias e, quando existem ações preferenciais, estas freqüentemente dispõem de vantagens financeiras superiores às exigidas pela legislação, além do direito de voto em certas operações fundamentais, como é o caso das re-estruturações societárias. Da mesma forma, é cada vez mais comum que os estatutos aumentem para 100% o direito ao tag along conferido aos acionistas ordinaristas e, em alguns casos, também aos preferencialistas.

II - O Novo Mercado
No final dos anos 90 era evidente a crise de grandes proporções pela qual passava o mercado de ações no país. A título de exemplo, o número de companhias listadas na Bovespa tinha caído de 550 em 1996 para 440 em 2001. O volume negociado após atingir US$ 191 bilhões em 1997, recuara para US$ 101 bilhões em 2000 e US$ 65 bilhões em 2001. Além disso, muitas companhias fechavam o capital e poucas abriam.

É nesse cenário que a Bovespa cria o Novo Mercado como um segmento especial de listagem de ações de companhias que se comprometam voluntariamente a adotar as boas práticas de governança corporativa. Numa necessária adaptação à realidade do mercado de ações brasileiro, são criados dois estágios intermediários: Níveis I e II, que, juntos com o Novo Mercado, estabelecem regras que envolvem melhorias na divulgação de informações, nos direitos dos acionistas e na governança das companhias.

A idéia que norteou a criação do Novo Mercado tem seu fundamento na constatação de que entre os diversos fatores que contribuíam para a fragilidade do mercado de capitais brasileiro, destacava-se a falta de proteção aos acionistas minoritários.

A percepção, por parte dos investidores, de que corriam riscos que não eram apenas aqueles associados ao negócio da companhia, por não estarem adequadamente protegidos pela regulamentação, fazia com que eles aplicassem pesados descontos sobre os preços das ações, reduzindo o seu valor de mercado. Isso elevava o custo de capital das empresas e gerava um ciclo vicioso, pois também as afastava do mercado.

Entendeu-se que a valorização e a liquidez das ações negociadas no mercado seriam influenciadas positivamente pelo grau de segurança que os direitos adicionais concedidos aos acionistas poderiam oferecer e pela qualidade das informações prestadas ao mercado pelas empresas.

Por isso, é esperado que as companhias cujas ações estejam listadas em algum dos segmentos diferenciados de governança corporativa, nas quais os riscos não ligados ao negócio são minimizados, apresentem prêmios de risco consideravelmente reduzidos, implicando valorização do patrimônio de todos os acionistas.

Bolha dos Mares do Sul


Uma das mais famosas histórias sobre bolhas especulativas é a da South Sea Company no que ficou conhecido como a Bolha dos Mares do Sul. A empresa britânica em si não é um grande escândalo em si, criada para explorar o comércio ultra marítimo. Mas o uso da empresa para pagar dívidas da coroa inglesa, a especulação com as ações da companhia e as práticas corruptas de seus dirigentes a tornariam um caso de mania e bolha financeira.
A companhia foi criada em 1711 pelo ministro das finanças Robert Harley. Os lucros seriam utilizados para diminuir a dívida e o déficit público. Mas esse objetivo secundário acabou assumindo uma importância maior, com a companhia sendo utilizada para “privatizar” a dívida pública, com a empresa assumindo parte da dívida pública a juros de 6% a.a. e com os detentores de títulos de dívida gradativamente se tornando acionista da South Sea Company. Além disso, a empresa recebia subsídios do governo por ter contraído a dívida estatal. Em troca, a South Sea Company recebeu o monopólio da exploração do comércio com as colônias espanholas, além de ser protegida de concorrência por meio de tarifas de importação.
Em uma época de baixo desenvolvimento do mercado acionário, as ações da South Sea Company eram acompanhadas com muito interesse por investidores atraídos pelo que se dizia da empresa. Como não havia muita informação sobre o que se passava em outro continente, passava-se uma ideia de abundância de ouro e prata nas colônias espanholas, que poderiam ser trocados por produtos de baixo valor. Além disso, havia o boato de que o rei Felipe V da Espanha iria abrir os portos para os negociantes ingleses. É um tanto incrível imaginar como as pessoas acreditavam que o rei espanhol faria isso. O comércio era possível, mas apenas escravos e mais um navio para comércio de produtos com elevada tributação por parte dos espanhóis.
Ajudou para a promoção da empresa o fato de figuras importantes, inclusive o rei George I, terem recebido ações da empresa em doação, conseguindo apoio e divulgação dessas figuras. Além disso, havia condições vantajosas para a aquisição da empresa, como necessidade de uma entrada de apenas 20% do investimento e prazo de 16 meses para pagar o saldo devedor. Não bastasse isso, a empresa ainda concedia empréstimos para quem precisasse, empréstimos financiados por emissão de novas ações, em algo parecido com um esquema Ponzi. Por fim, mas não menos importante, a empresa distribuía vultuosos dividendos de tempos em tempos e manipulava os registros contábeis, além de também falsificar a existência de algumas ações. O objetivo disso não era uma boa gestão financeira, e sim inflar o preço das ações. A loucura chegou a um ponto que um banqueiro holandês afirmaria que parecia que todos os loucos escaparam do hospício ao mesmo tempo.
Com tudo isso, o preço da ação saiu de £ 100 no começo de 1720 para £ 900 no mesmo ano, enriquecendo enormemente o presidente da companhia (John Blunt) e outros acionistas como os que faziam parte da realeza. Porém, eventualmente as ações começariam a se desvalorizar, muito por conta das vendas de ações por parte dos acionistas privilegiados, inclusive John Blunt. Muitos outros investidores também realizaram lucros e outros precisaram vender ações da South Sea Company para cobrir prejuízos em outras empresas bolha, que funcionavam de maneira parecida com a South Sea Company.
A queda nos preços foi tão espetacular quanto a alta, o preço rapidamente voltando de onde nunca deveria ter saído. A ruína que se seguiu entre os pequenos investidores foi tão grande que um investidor declararia que parecia que estava fora de moda não estar falido.
Estourada a bolha, começou a busca pelos culpados. Foi sugerido que, por ser um crime inédito e não previsto nos códigos, os culpados fossem colocados dentro de um saco e jogados no rio (como isso tudo ocorreu em Londres, o candidato natural seria o Tâmisa). Isso não chegou a ser colocado em prática, mas a ruína financeira dos principais culpados foi bastante considerável, alguns mantendo apenas 3% do patrimônio após a punição. Porém, outras pessoas também tiveram perdas gigantescas, com investidores perdendo o que seria equivalente hoje a centenas de milhões de libras. Até sir Isaac Newton, famoso físico, perdeu uma montanha de dinheiro, equivalente a £ 3 milhões.
Diante de preços sempre ascendentes, os investidores foram atraídos para as ações da empresa, mesmo que não houvesse fundamento econômico para essa alta (na verdade, não havia muita capacidade de analisar essa questão pela maioria dos investidores). Muitos até acreditavam que não havia muita razão para essas altas, mas confiavam que conseguiriam vender as ações a um preço superior a um “tolo maior”. Porém, como sempre ocorre, chegou uma hora em que os tolos foram ficando escassos, resultando em perdas para os que não saíram a tempo. Apesar de ter ocorrido a pouco menos de 300 anos atrás, essa história ainda é bastante contemporânea e pode voltar a ocorrer no futuro.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Perda da chance na visão do Superior Tribunal de Justiça


Pedro Puttini Mendes
Publicado em 05/2011. Elaborado em 05/2011.

Com o título Perda da Chance: uma forma de indenizar uma provável
vantagem frustrada, notícia recente , divulgada pelo Superior Tribunal de
Justiça, colaciona precedentes julgados pela Corte, em que se discutia a
responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Surgida na França em meados do século XX, a teoria da perda de uma chance
(perte d’une chance) encerra a ideia de responsabilização por se criar óbices à
consecução de vantagens por outrem, resultando a frustração em "prejuízos".
Não há que se falar, no entanto, em "prejuízo direto", e sim em probabilidade de
sua ocorrência, uma vez que, obstada "chance real" de ganho, torna-se difícil
distinguir o dano efetivo do dano meramente hipotético ou aventureiro.
Neste ponto, avalia a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça,
que "a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem
saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de
perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências
adequadas".
O ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, por seu turno, sustenta que a "perda
de uma chance guarda relação com o lucro cessante, uma vez que a doutrina
francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se
utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma
situação futura melhor".
Cavalieri caracteriza como perda de uma chance a conduta de alguém que faz
desaparecer a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro
para a "vítima". Como exemplo, citam-se julgados do Superior Tribunal de
Justiça envolvendo uma pessoa que teve frustrada a chance de ganhar o prêmio
1
2
3máximo de 1 milhão de reais no programa televisivo "Show do Milhão", em
virtude de pergunta mal formulada (REsp nº 788.459-BA, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, DJ 13.03.06) e a negligência de profissionais liberais no exercício da
atividade (REsp nº 1.079.185-MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJe 04.08.09).
Ainda segundo Cavalieri, caracteriza-se perda de uma chance, também, impedir
alguém de "progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor
emprego [...]". Neste sentido, vale lembrar fato ocorrido nas Olimpíadas de
Atenas, em 2004, com o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima,
quando faltavam seis quilômetros para terminar a corrida, cujo percurso total era
de quarenta e dois quilômetros. Encontrava-se ele em primeiro lugar e com vinte
e oito segundos de vantagem sobre o segundo colocado quando, barrado por um
homem na pista, perdeu o equilíbrio e caiu. Sem apoio de qualquer preposto da
organização do evento, levantou-se com a ajuda de pessoas que assistiam à
maratona e voltou a correr após 8 segundos, finalizando a prova na terceira
colocação.
Leciona o doutrinador Caio Mário que "a reparação da perda de uma chance
repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e
que a vantagem perdida resultaria em prejuízo".
Há, portanto, que existir uma chance real de se alcançar o objeto almejado, o que
conduz à aplicação do princípio da razoabilidade no caso concreto, dentro das
circunstâncias socioeconômicas, culturais e políticas que envolvem a questão,
sem se afastar dos parâmetros constitucionais, conforme jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.
Pois bem, seguindo o raciocínio de que a perda de uma chance resulta em
probabilidade de dano, afastando-se do dano meramente hipotético ou
aventureiro, assim como de suposição, desejo ou probabilidade aleatória alegada
pelo ofendido, torna-se necessária a caracterização do prejuízo material ou
imaterial decorrente de fato consumado, sob pena de se dar guarida a
oportunismos.
Incontestável, desta maneira, a asserção de que se a chance significa mera
possibilidade de se obter determinada vantagem, como alguém pode exigir
reparação equivalente ao valor integral da vitória, se há dúvidas quanto à sua
ocorrência? Por tal razão, a probabilidade não pode ter o mesmo valor econômico
daquele devido no caso de sucesso.
Com efeito, assevera Savi que "a chance de vitória terá sempre valor inferior à
vitória futura, o que refletirá no montante da indenização". Não se pode,
contudo, deixar de mencionar que, no caso de pedido de indenização, aplicam-se
todas as excludentes inerentes à responsabilidade subjetiva e objetiva, a exemplo
4
5
6
7da legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito
cumprimento do dever legal, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força
maior, que implicam no afastamento da ilicitude ou do nexo causal, e, ainda, se
for possível demonstrar, que, mesmo sem a perda da chance, o resultado útil não
seria alcançado.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE
No julgamento do Recurso Especial nº 788.459-BA, o Relator, Ministro
Fernando Gonçalves, afirmou em seu voto que, no caso do "’Show do Milhão’, há
uma série de fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a
enorme carga emocional da indagação final", que poderiam interferir no
andamento dos fatos, não havendo, portanto, como se afirmar categoricamente
que a recorrida sairia vitoriosa, levando o prêmio máximo de 1 milhão de reais.
Sobre exemplo citado, merece destaque o comentário de Cavalieri:
O valor da indenização deverá ser fixado de forma equitativa pelo juiz,
atentando também aqui para o princípio da razoabilidade. Bem
ilustrativo é o caso do programa de televisão que ficou conhecido como
"Show do Milhão". [...] A empresa promotora do concurso, entretanto,
talvez intencionalmente, formulou uma pergunta que não admitia
nenhuma resposta correta, uma vez que todas as opções apresentadas
estavam incorretas. Diante da inviabilidade lógica de uma resposta
correta, a candidata optou por não responder à indagação para
salvaguardar a premiação já acumulada. [...] Em muitas oportunidades,
os tribunais indenizam a perda de uma chance, ainda que não se refiram
à expressão, a título de lucros cessantes; outras vezes como dano moral.
Em outro caso (REsp nº 1.079.185-MG), no qual se discutia a responsabilidade
civil de profissional liberal por negligência, a Ministra Relatora, Nancy Andrighi,
assentou que, mesmo que "comprovada a culpa grosseira do advogado, é difícil
antever um vínculo claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do
cliente, pois o sucesso do profissional liberal depende de outros fatores não
sujeitos ao seu controle".
Destaca-se o posicionamento do Ministro Massami Uyeda no REsp nº 1.104.665-
RS, DJe 04.08.09, no sentido de que, para "a caracterização da responsabilidade
civil do médico por danos decorrentes de sua conduta profissional,
imprescindível se apresenta a demonstração do nexo causal". No caso, assentou
que "a chamada teoria da perda de uma chance, de inspiração francesa e citada
em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real,
8atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade,
porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em
regra, não é indenizável".
A propósito desse assunto, aduz Cavalieri que a conduta omissiva do médico faz
com que o doente perca a possibilidade de cura, de forma que a omissão culposa
não seria a causa do dano, mas, sim, da perda de uma possibilidade.
O tema também foi objeto de julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, em acórdão do qual se extrai a seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DANO MORAL
E MATERIAL. REPROVAÇÃO DE ALUNA.
Comprovada a irregularidade na reprovação da aluna, à qual não foi
oportunizada adequada recuperação terapêutica, com perda da chance
de ser aprovada e rompimento de seu equilíbrio psicológico, impõe-se
seja indenizado o dano moral sofrido. A frustração dos pais, porém, não
constitui dor passível de reparação, nas circunstâncias. Dano material
afastado. Apelo provido em parte.
O julgado transcrito foi colacionado para demonstrar que, em uma análise
individual, a condenação em dano material somente teria cabimento se o
prejuízo pudesse ser visualizado, e na forma de lucro cessante, uma vez que os
valores não auferidos pelo prejudicado se traduzem na lesão aos bens e direitos
economicamente apreciáveis do seu titular.
Particularmente, gosto de lembrar o Juiz José Tadeu Picolo Zanoni ao comparar
os danos morais às "batatas fritas" , enfatizando que a popularização e, em
muitos casos, a banalização desse direito distorcem o conceito.
Sendo assim, a criatividade do defensor dos direitos do ofendido deve ter a
mesma proporção da parcimônia do aplicador do direito!
CONCLUSÃO
Ante o exposto, tem-se que a jurisprudência ainda não firmou entendimento
quanto ao cabimento de indenização por danos morais em decorrência da perda
de uma chance ou sua concessão a título de lucro cessante.
A perda de uma chance constitui, sim, importante modalidade de
responsabilidade civil, consoante demonstra a doutrina, muito embora poucos
doutrinadores tenham sido citados neste artigo, e a divergência de entendimento
que se verifica, inclusive, na Corte Superior. Isto leva à conclusão de que a
9
10Pedro Puttini Mendes
Assessor Jurídico. Graduação em DIREITO pela Universidade
Católica Dom Bosco. Experiência na área de Direito, com ênfase
na área de Direito e Processo Civil em geral, Saúde Suplementar,
responsabilidade objetiva decorre do resultado útil angariado pela vitima ou que
certamente seria almejado (lucro cessante); já a perda da chance corresponde à
privação da oportunidade de se alcançar o resultado útil.
Certamente, a polêmica que circunda o tema exigirá discussões mais amplas
visando pacificar o entendimento.

NOTAS
SuperiorTribunal de Justiça. Notícia postada pela Coordenadoria de Editoria e
Imprensa, em 21 de novembro de 2010, às 10h00. Disponível em:
tmp.area=398&tmp.texto=99879 (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?
tmp.area=398&tmp.texto=99879) >. Acesso em: 23.11.10.
Superior Tribunal de Justiça. Loc. cit.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010, p. 77-81.
Idem, ibidem.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, p. 42.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. P. 77-81.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. P. 11.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. P. 77-81.
TJRS – Apelação Cível n° 7000726179-5, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Leo Lima,
j. 27.11.03.
In: A Indústria do Dano Moral. Revista Jurídica Consulex nº 189, de 30.11.04.
Autor

10Direito e Processo Trabalhista. 2010: Especialização em
andamento em Direito Civil e Processual Civil. Universidade
para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal,
UNIDERP, Brasil.
lattes.cnpq.br/1001252598183320
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
MENDES, Pedro Puttini. Perda da chance na visão do Superior Tribunal de
Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2888, 29 maio 2011. Disponível
em: . Acesso em: 18 set. 2014.