quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Perda da chance na visão do Superior Tribunal de Justiça


Pedro Puttini Mendes
Publicado em 05/2011. Elaborado em 05/2011.

Com o título Perda da Chance: uma forma de indenizar uma provável
vantagem frustrada, notícia recente , divulgada pelo Superior Tribunal de
Justiça, colaciona precedentes julgados pela Corte, em que se discutia a
responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Surgida na França em meados do século XX, a teoria da perda de uma chance
(perte d’une chance) encerra a ideia de responsabilização por se criar óbices à
consecução de vantagens por outrem, resultando a frustração em "prejuízos".
Não há que se falar, no entanto, em "prejuízo direto", e sim em probabilidade de
sua ocorrência, uma vez que, obstada "chance real" de ganho, torna-se difícil
distinguir o dano efetivo do dano meramente hipotético ou aventureiro.
Neste ponto, avalia a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça,
que "a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem
saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de
perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências
adequadas".
O ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, por seu turno, sustenta que a "perda
de uma chance guarda relação com o lucro cessante, uma vez que a doutrina
francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se
utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma
situação futura melhor".
Cavalieri caracteriza como perda de uma chance a conduta de alguém que faz
desaparecer a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro
para a "vítima". Como exemplo, citam-se julgados do Superior Tribunal de
Justiça envolvendo uma pessoa que teve frustrada a chance de ganhar o prêmio
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3máximo de 1 milhão de reais no programa televisivo "Show do Milhão", em
virtude de pergunta mal formulada (REsp nº 788.459-BA, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, DJ 13.03.06) e a negligência de profissionais liberais no exercício da
atividade (REsp nº 1.079.185-MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJe 04.08.09).
Ainda segundo Cavalieri, caracteriza-se perda de uma chance, também, impedir
alguém de "progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor
emprego [...]". Neste sentido, vale lembrar fato ocorrido nas Olimpíadas de
Atenas, em 2004, com o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima,
quando faltavam seis quilômetros para terminar a corrida, cujo percurso total era
de quarenta e dois quilômetros. Encontrava-se ele em primeiro lugar e com vinte
e oito segundos de vantagem sobre o segundo colocado quando, barrado por um
homem na pista, perdeu o equilíbrio e caiu. Sem apoio de qualquer preposto da
organização do evento, levantou-se com a ajuda de pessoas que assistiam à
maratona e voltou a correr após 8 segundos, finalizando a prova na terceira
colocação.
Leciona o doutrinador Caio Mário que "a reparação da perda de uma chance
repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e
que a vantagem perdida resultaria em prejuízo".
Há, portanto, que existir uma chance real de se alcançar o objeto almejado, o que
conduz à aplicação do princípio da razoabilidade no caso concreto, dentro das
circunstâncias socioeconômicas, culturais e políticas que envolvem a questão,
sem se afastar dos parâmetros constitucionais, conforme jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.
Pois bem, seguindo o raciocínio de que a perda de uma chance resulta em
probabilidade de dano, afastando-se do dano meramente hipotético ou
aventureiro, assim como de suposição, desejo ou probabilidade aleatória alegada
pelo ofendido, torna-se necessária a caracterização do prejuízo material ou
imaterial decorrente de fato consumado, sob pena de se dar guarida a
oportunismos.
Incontestável, desta maneira, a asserção de que se a chance significa mera
possibilidade de se obter determinada vantagem, como alguém pode exigir
reparação equivalente ao valor integral da vitória, se há dúvidas quanto à sua
ocorrência? Por tal razão, a probabilidade não pode ter o mesmo valor econômico
daquele devido no caso de sucesso.
Com efeito, assevera Savi que "a chance de vitória terá sempre valor inferior à
vitória futura, o que refletirá no montante da indenização". Não se pode,
contudo, deixar de mencionar que, no caso de pedido de indenização, aplicam-se
todas as excludentes inerentes à responsabilidade subjetiva e objetiva, a exemplo
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7da legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito
cumprimento do dever legal, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força
maior, que implicam no afastamento da ilicitude ou do nexo causal, e, ainda, se
for possível demonstrar, que, mesmo sem a perda da chance, o resultado útil não
seria alcançado.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE
No julgamento do Recurso Especial nº 788.459-BA, o Relator, Ministro
Fernando Gonçalves, afirmou em seu voto que, no caso do "’Show do Milhão’, há
uma série de fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a
enorme carga emocional da indagação final", que poderiam interferir no
andamento dos fatos, não havendo, portanto, como se afirmar categoricamente
que a recorrida sairia vitoriosa, levando o prêmio máximo de 1 milhão de reais.
Sobre exemplo citado, merece destaque o comentário de Cavalieri:
O valor da indenização deverá ser fixado de forma equitativa pelo juiz,
atentando também aqui para o princípio da razoabilidade. Bem
ilustrativo é o caso do programa de televisão que ficou conhecido como
"Show do Milhão". [...] A empresa promotora do concurso, entretanto,
talvez intencionalmente, formulou uma pergunta que não admitia
nenhuma resposta correta, uma vez que todas as opções apresentadas
estavam incorretas. Diante da inviabilidade lógica de uma resposta
correta, a candidata optou por não responder à indagação para
salvaguardar a premiação já acumulada. [...] Em muitas oportunidades,
os tribunais indenizam a perda de uma chance, ainda que não se refiram
à expressão, a título de lucros cessantes; outras vezes como dano moral.
Em outro caso (REsp nº 1.079.185-MG), no qual se discutia a responsabilidade
civil de profissional liberal por negligência, a Ministra Relatora, Nancy Andrighi,
assentou que, mesmo que "comprovada a culpa grosseira do advogado, é difícil
antever um vínculo claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do
cliente, pois o sucesso do profissional liberal depende de outros fatores não
sujeitos ao seu controle".
Destaca-se o posicionamento do Ministro Massami Uyeda no REsp nº 1.104.665-
RS, DJe 04.08.09, no sentido de que, para "a caracterização da responsabilidade
civil do médico por danos decorrentes de sua conduta profissional,
imprescindível se apresenta a demonstração do nexo causal". No caso, assentou
que "a chamada teoria da perda de uma chance, de inspiração francesa e citada
em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real,
8atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade,
porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em
regra, não é indenizável".
A propósito desse assunto, aduz Cavalieri que a conduta omissiva do médico faz
com que o doente perca a possibilidade de cura, de forma que a omissão culposa
não seria a causa do dano, mas, sim, da perda de uma possibilidade.
O tema também foi objeto de julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, em acórdão do qual se extrai a seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DANO MORAL
E MATERIAL. REPROVAÇÃO DE ALUNA.
Comprovada a irregularidade na reprovação da aluna, à qual não foi
oportunizada adequada recuperação terapêutica, com perda da chance
de ser aprovada e rompimento de seu equilíbrio psicológico, impõe-se
seja indenizado o dano moral sofrido. A frustração dos pais, porém, não
constitui dor passível de reparação, nas circunstâncias. Dano material
afastado. Apelo provido em parte.
O julgado transcrito foi colacionado para demonstrar que, em uma análise
individual, a condenação em dano material somente teria cabimento se o
prejuízo pudesse ser visualizado, e na forma de lucro cessante, uma vez que os
valores não auferidos pelo prejudicado se traduzem na lesão aos bens e direitos
economicamente apreciáveis do seu titular.
Particularmente, gosto de lembrar o Juiz José Tadeu Picolo Zanoni ao comparar
os danos morais às "batatas fritas" , enfatizando que a popularização e, em
muitos casos, a banalização desse direito distorcem o conceito.
Sendo assim, a criatividade do defensor dos direitos do ofendido deve ter a
mesma proporção da parcimônia do aplicador do direito!
CONCLUSÃO
Ante o exposto, tem-se que a jurisprudência ainda não firmou entendimento
quanto ao cabimento de indenização por danos morais em decorrência da perda
de uma chance ou sua concessão a título de lucro cessante.
A perda de uma chance constitui, sim, importante modalidade de
responsabilidade civil, consoante demonstra a doutrina, muito embora poucos
doutrinadores tenham sido citados neste artigo, e a divergência de entendimento
que se verifica, inclusive, na Corte Superior. Isto leva à conclusão de que a
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10Pedro Puttini Mendes
Assessor Jurídico. Graduação em DIREITO pela Universidade
Católica Dom Bosco. Experiência na área de Direito, com ênfase
na área de Direito e Processo Civil em geral, Saúde Suplementar,
responsabilidade objetiva decorre do resultado útil angariado pela vitima ou que
certamente seria almejado (lucro cessante); já a perda da chance corresponde à
privação da oportunidade de se alcançar o resultado útil.
Certamente, a polêmica que circunda o tema exigirá discussões mais amplas
visando pacificar o entendimento.

NOTAS
SuperiorTribunal de Justiça. Notícia postada pela Coordenadoria de Editoria e
Imprensa, em 21 de novembro de 2010, às 10h00. Disponível em:
tmp.area=398&tmp.texto=99879 (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?
tmp.area=398&tmp.texto=99879) >. Acesso em: 23.11.10.
Superior Tribunal de Justiça. Loc. cit.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010, p. 77-81.
Idem, ibidem.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, p. 42.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. P. 77-81.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. P. 11.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. P. 77-81.
TJRS – Apelação Cível n° 7000726179-5, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Leo Lima,
j. 27.11.03.
In: A Indústria do Dano Moral. Revista Jurídica Consulex nº 189, de 30.11.04.
Autor

10Direito e Processo Trabalhista. 2010: Especialização em
andamento em Direito Civil e Processual Civil. Universidade
para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal,
UNIDERP, Brasil.
lattes.cnpq.br/1001252598183320
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
MENDES, Pedro Puttini. Perda da chance na visão do Superior Tribunal de
Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2888, 29 maio 2011. Disponível
em: . Acesso em: 18 set. 2014.