quarta-feira, 2 de abril de 2025

Inaplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Inaplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

última modificação: 31/08/2023 18h09

Tema atualizado em 31/8/2023.

“1. A responsabilidade do empresário individual é solidária e ilimitada, inexistindo separação patrimonial entre os seus bens e os da pessoa natural. Portanto, os bens da pessoa jurídica e da pessoa natural se confundem, podendo haver a inclusão da empresa individual para fins de responsabilidade solidária pela obrigação da pessoa natural.

2. A empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal. Por tal motivo o patrimônio de uma empresa individual se confunde com o da pessoa natural, de modo que o empresário não está submetido ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

3. O empresário individual exerce a atividade em nome próprio, sendo inscrito no CNPJ apenas para fins tributários, é imperiosa a inclusão da empresa individual no polo passivo da demanda executiva, na forma autorizada pelo art. 113, inc. I do CPC.” (grifos nosso)

Acórdão 1675474, 07350986720228070000, Relator: ROBERTO FREITAS FILHO, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 9/3/2023, publicado no DJE: 28/3/2023.

Trecho de acórdão

“Com efeito, é cediço que a atividade empresarial pode ser exercida por empresário individual ou sociedade empresária. No caso do empresário individual, a atividade empresarial respectiva é promovida por pessoa física singular (art. 966 do Código Civil).

A pessoa natural exerce essas atividades e responde diretamente pelo risco do empreendimento com todos os bens afetados ao exercício da atividade empresarial, incluindo eventuais bens pessoais. Por isso, a responsabilidade do empresário individual deve ser considerada direta e ilimitada.

Sobre o tema, convém ressaltar que o empresário individual não tem natureza de pessoa jurídica, a despeito de poder ter inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídicas (CNPJ). Essa possibilidade é conferida apenas para que seja submetido ao mesmo tratamento tributário concedido a outras pessoas jurídicas que exercem atividade empresária.

De tal modo, o empresário individual não está submetido ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Por se tratar de pessoa natural, não há, logicamente, personalidade a ser desconsiderada, situação que afasta a aplicabilidade do referido instituto.

(...)

Dessa forma, desnecessária a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que tal instituto apenas tem razão de existir quando há separação do patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, pois, neste caso, as obrigações assumidas pela empresa deverão ser pagas com o seu próprio patrimônio.

Há numerosos julgados deste E. Tribunal quanto à possibilidade de direcionamento da execução movida contra a empresa, em desfavor do empresário individual, independente da discussão sobre os requisitos para desconsideração da personalidade jurídica.

(...)

Assim, tenho que o caso em apreço não necessita ser analisado sob a ótica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo legítima a extensão da penhora patrimonial em desfavor do empresário individual.”

Acórdão 1429927, 07114445120228070000, Relator: GISLENE PINHEIRO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 8/6/2022, publicado no DJE: 22/6/2022.

Acórdãos representativos

Acórdão 1714456, 07325879620228070000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 9/6/2023, publicado no DJE: 23/6/2023;

Acórdão 1409161, 07373022120218070000, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 17/3/2022, publicado no DJE: 1/4/2022;

Acórdão 1364745, 07078428620218070000, Relator: FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 18/8/2021, publicado no DJE: 2/9/2021;

Acórdão 1364186, 07081003320208070000, Relator: ALFEU MACHADO, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2021, publicado no DJE: 30/8/2021;

Acórdão 1358938, 07079940820198070000, Relator: FERNANDO HABIBE, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 4/8/2021, publicado no DJE: 10/8/2021.

Destaques

  • TJDFT

Execução de título extrajudicial – executado avalista – titular de empresa individual superveniente – incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica – desnecessidade

“1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica possui natureza de ação autônoma e segue rito específico previsto no Código de Processo Civil (art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil).

2. O empresário individual constituído nos termos dos artigos 966 a 968 do Código Civil responde solidária e ilimitadamente com seu patrimônio tendo em vista a inexistência de separação patrimonial, pois os bens da pessoa física e da pessoa jurídica se confundem.

3. In casu, o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se justifica, diante da comunicação do patrimônio do executado avalista do título judicial e de sua empresa individual.”

Acórdão 1712431, 07116798120238070000, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 7/6/2023, publicado no PJe: 16/6/2023.

Desconsideração inversa da personalidade jurídica – Empresário individual X Empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI

“1 - O empresário individual não se confunde com Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, sendo o primeiro pessoa natural ou física que exerce empresa profissionalmente, respondendo direta e ilimitadamente pelas obrigações empresariais. Já a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, até sua extinção com o advento da Lei nº 14.195/2021, era constituída por uma única pessoa natural ou física, possuidora da integralidade do capital social, formando, pois, um novo ente jurídico personificado, cujo patrimônio não se confunde com o de seu instituidor. Isso significa dizer que o patrimônio do instituidor da EIRELI não será atingido em virtude de dívidas da sociedade, assim como a sociedade também não responderá por dívidas pessoais de seu sócio, salvo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

2 – Tendo em vista a existência de personalidade jurídica própria, eventual constrição judicial de bens da EIRELI, atual Sociedade Limitada Unipessoal, em razão de dívidas pessoais contraídas por seu sócio único, somente poderá ocorrer em casos excepcionalíssimos, quando evidenciados os requisitos legais autorizadores da desconsideração inversa da personalidade jurídica.” (grifo nosso)

Acórdão 1429672, 07099384020228070000, Relator: ANGELO PASSARELI, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 8/6/2022, publicado no DJE: 20/6/2022.

Este incidente, que é novidade no CPC/2015, é o procedimento necessário para permitir a desconsideração da personalidade jurídica de modo a que um terceiro venha a participar do processo para responder com seu patrimônio.

 É cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título executivo extrajudicial (CPC/2015, art. 134).

 O incidente é usado tanto na desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, para se chegar aos bens do sócio, como também na desconsideração da personalidade do sócio, para se chegar nos bens da pessoa jurídica (a chamada desconsideração inversa – CPC/2015, art. 133, § 2º). 

 O requerimento do incidente de desconsideração deverá demonstrar o preenchimento dos requisitos legais para a desconsideração (basicamente, o CDC, art. 28 ou o CC, art. 50). 

 Apresentado o incidente: (i) haverá a suspensão do processo (CPC/2015, art. 134, § 2º) e 

(i) o sócio ou a pessoa jurídica serão citados para se manifestar e requerer as provas cabíveis em até 15 dias (CPC/2015, art. 135). 

 O incidente é utilizado principalmente por quem está no polo ativo 33. 

Porém, é possível que seja utilizado também pelo réu, considerando a apresentação de reconvenção 34 – daí a apresentação do tema neste capítulo. 

 Com o acolhimento do incidente, o terceiro passa a ser parte, e seus bens respondem pelo débito 35.


Art. 50

- Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

 Lei 13.874, de 20/09/2019, art. 7º (Nova redação ao artigo. Origem da Medida Provisória 881, de 30/04/2019, art. 7º).

§ 1º - Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º - Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º - O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º - A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º - Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

 Redação anterior (original): [Art. 50 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.]



domingo, 23 de março de 2025

AGRAVO CIVIL - IMPORTÂNCIA DO EFEITO SUSPENSIVO

Por que pedir o efeito suspensivo em agravo de instrumento?

Quando uma parte interpõe um agravo de instrumento contra uma decisão interlocutória (como foi o caso da agravante ), ela pode:

  1. Somente recorrer, aguardando o julgamento (sem suspender os efeitos da decisão atacada);

  2. Recorrer e pedir efeito suspensivo, buscando impedir que a decisão tenha efeitos práticos até que o tribunal analise o recurso.

Ou seja:

Sem efeito suspensivo, a decisão agravada continua produzindo efeitos normalmente.


🎯 No caso em análise:

  • O juiz reconheceu a impenhorabilidade dos valores e mandou desbloquear a quantia penhorada;

  • A agravante recorreu, mas não pediu efeito suspensivo;

  • O relator expressamente destacou isso:

    “porque sequer foi requerido pelo agravante”;

  • Então, a decisão de 1º grau segue válida e deve ser cumprida.


🔎 Por que a agravante deveria ter pedido o efeito suspensivo?

Porque, do ponto de vista dela:

  • O desbloqueio dos valores pode ser irreversível (isto é, o dinheiro pode ser movimentado);

  • Ela quer garantir a eficácia de sua pretensão — que é manter o bloqueio e a penhora.

Sem o efeito suspensivo, ela perde essa proteção.


✅ E por que você, como advogado do executado, deve reagir?

Porque:

  • O processo não pode ficar paralisado indefinidamente enquanto o agravo tramita;

  • A decisão judicial tem eficácia imediata (não foi suspensa);

  • Se não houver manifestação nos autos principais, o cartório pode “aguardar” desnecessariamente, acreditando que o agravo está impedindo o prosseguimento — o que não é verdade.

Por isso, é prudente e estratégico requerer ao juízo de origem que cumpra imediatamente a decisão, especialmente para efetivar o desbloqueio.


🧩 Resumo estratégico:

SituaçãoConsequência
Agravo com efeito suspensivo concedidoSuspende os efeitos da decisão de 1º grau
Agravo sem efeito suspensivo (como aqui)A decisão deve ser cumprida imediatamente


sexta-feira, 6 de outubro de 2017

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Mévio, já qualificado nos autos do pedido de “Habeas Corpus” nº. ____, por seu advogado ao final subscrito, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, e dentro do prazo legal, não se conformando, data vênia, com o venerado acórdão denegatório da ordem, INTERPOR para o Superior Tribunal de Justiça RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL, com fundamentos no art. 105, II, “a”, da Constituição Federal, combinado com os arts. 30 e 32 da Lei 8.038/1990.
Nestes termos, apresentando desde já suas razões, requer-se seja o mesmo recebido e encaminhado ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Pede deferimento
Local, data
Advogado
OAB nº. ___

RAZÔES DO RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL PACIENTE MÉVIO HABEAS CORPUS Nº.__
Egrégio Superior Tribunal de Justiça
Colenda Turma
Doutos Ministros
Douta Procuradoria da República

Em que pese o alto prestígio do Egrégio Tribunal de Justiça, o venerando acórdão proferido, denegando o pedido de Habeas Corpus, não pode, data vênia, subsistir, pelas razões a seguir aduzidas.
DOS FATOS

O recorrente teve a prisão decretada pelo juiz do Tribunal da Comarca X, fundamentado-a na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, porém 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Historia de Mercado e Capitais

Antes da década de 60, os brasileiros investiam principalmente em ativos reais (imóveis), evitando aplicações em títulos públicos ou privados. A um ambiente econômico de inflação crescente - principalmente a partir do final da década de 1950 - se somava uma legislação que limitava em 12% ao ano a taxa máxima de juros, a chamada Lei da Usura, também limitando o desenvolvimento de um mercado de capitais ativo.

Essa situação começa a se modificar quando o Governo que assumiu o poder em abril de 1964 iniciou um programa de grandes reformas na economia nacional, dentre as quais figurava a reestruturação do mercado financeiro quando diversas novas leis foram editadas.

Entre aquelas que tiveram maior importância para o mercado de capitais podemos citar a Lei nº 4.537/64, que instituiu a correção monetária, através da criação das ORTN, a Lei nº 4.595/64, denominada lei da reforma bancária, que reformulou todo o sistema nacional de intermediação financeira e criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central e, principalmente, a Lei nº 4.728, de 14.04.65, primeira Lei de Mercado de Capitais, que disciplinou esse mercado e estabeleceu medidas para seu desenvolvimento.

A introdução da legislação acima referida resultou em diversas modificações no mercado acionário, tais como: a reformulação da legislação sobre Bolsa de Valores, a transformação dos corretores de fundos públicos em Sociedades Corretoras, forçando a sua profissionalização, a criação dos Bancos de Investimento, a quem foi atribuída a principal tarefa de desenvolver a indústria de fundos de investimento.

Com a finalidade específica de regulamentar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários, as Bolsa de Valores, os intermediários financeiros e as companhias de capital aberto, funções hoje exercidas pela CVM, foi criada uma diretoria no Banco Central - Diretoria de Mercado de Capitais.

Ao mesmo tempo, foram introduzidos alguns incentivos para a aplicação no mercado acionário, dentre as quais destacamos se destacam os Fundos 157, criados pelo Decreto Lei nº 157, de 10.02.1967. Estes fundos eram uma opção dada aos contribuintes de utilizar parte do imposto devido, quando da Declaração do Imposto de Renda, em aquisição de quotas de fundos de ações de companhias abertas administrados por instituições financeiras de livre escolha do aplicador.

Com o grande volume de recursos carreados para o mercado de acionário, principalmente em decorrência dos incentivos fiscais criados pelo Governo Federal, houve um rápido crescimento da demanda por ações pelos investidores, sem que houvesse aumento simultâneo de novas emissões de ações pelas empresas. Isto desencadeou o "boom" da Bolsa do Rio de Janeiro quando, entre dezembro de 1970 e julho de 1971, houve uma forte onda especulativa e as cotações das ações não pararam de subir.

Após alcançar o seu ponto máximo em julho de 1971, iniciou-se um processo de realização de lucros pelos investidores mais esclarecidos e experientes que começaram a vender suas posições. O quadro foi agravado progressivamente quando novas emissões começaram a chegar às bolsas, aumentando a oferta de ações, em um momento em que muitos investidores, assustados com a rapidez e a magnitude do movimento de baixa, procuravam vender seus títulos.

O movimento especulativo, conhecido como "boom de 1971", teve curta duração mas suas conseqüências foram vários anos de mercado deprimido, pois algumas ofertas de ações de companhias extremamente frágeis e sem qualquer compromisso com seus acionistas, ocorridas no período, geraram grandes prejuízos e mancharam de forma surpreendentemente duradoura a reputação do mercado acionário.

Apesar disso, notou-se uma recuperação das cotações, a partir de 1975, devido a novos aportes de recursos (as reservas técnicas das seguradoras, os recursos do Fundo PIS/PASEP, adicionais do Fundo 157 e a criação das Sociedades de Investimento Decreto Lei nº 1401 para captar recursos externos e aplicar no mercado de ações), além de maiores investimentos por parte dos Fundos de Pensão.

Ao longo do tempo, vários outros incentivos foram adotados visando incentivar o crescimento do mercado, tais como: a isenção fiscal dos ganhos obtidos em bolsa de valores, a possibilidade de abatimento no imposto de renda de parte dos valores aplicados na subscrição pública de ações decorrentes de aumentos de capital e programas de financiamento a juros subsidiados efetuados pelo BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social aos subscritores de ações distribuídas publicamente.

Foi dentro desse quadro de estagnação e tentativa de recuperação do mercado acionário que, em 1976, foram introduzidas duas novas normas legais, ainda em vigor: a Lei nº 6.404/76, nova Lei das Sociedades Anônimas que visava modernizar as regras que regiam as sociedades anônimas, até então reguladas por um antigo Decreto-Lei de 1940 e a Lei nº 6.385/76, segunda Lei do Mercado de Capitais que, entre outras inovações, que criou a CVM e introduziu no mercado uma instituição governamental destinada exclusivamente a regulamentar e desenvolver o mercado de capitais, fiscalizar as Bolsa de Valores e as companhias abertas.

Não obstante todos esses incentivos, o mercado de capitais não teve o crescimento esperado, ainda que em alguns momentos tenha havido um aumento na quantidade de companhias abrindo seu capital e um volume razoável de recursos captados pelas empresas através de ofertas públicas de ações tenha ocorrido durante a década de 1980.

Apesar da experiência pioneira para atrair capitais externos para aplicação no mercado de capitais brasileiro, representada pelo Decreto-Lei nº 1.401/76, o processo de internacionalização do mercado chega ao país no final da década de 1980, sendo seu marco inicial a edição da Resolução do CMN nº 1.289/87 e seus anexos.

A partir de meados da década de 1990, com a aceleração do movimento de abertura da economia brasileira, aumenta o volume de investidores estrangeiros atuando no mercado de capitais brasileiro. Além disso, algumas empresas brasileiras começam a acessar o mercado externo através da listagem de suas ações em bolsas de valores estrangeiras, principalmente a New York Stock Exchange, sob a forma de ADR'-s - American Depositary Reciepts com o objetivo de se capitalizar através do lançamento de valores mobiliários no exterior.

Ao listar suas ações nas bolsas americanas, as companhias abertas brasileiras foram obrigadas a seguir diversas regras impostas pela SEC - Securities and Exchange Commission, órgão regulador do mercado de capitais norte-americano, relacionadas a aspectos contábeis, de transparência e divulgação de informações, os chamados "princípios de governança corporativa".

A partir daí, as empresas brasileiras começam a ter contato com acionistas mais exigentes e sofisticados, acostumados a investir em mercados com práticas de governança corporativa mais avançadas que as aplicadas no mercado brasileiro. Ao número crescente de investidores estrangeiros soma-se uma maior participação de investidores institucionais brasileiros de grande porte e mais conscientes de seus direitos.

Com o passar do tempo, o mercado de capitais brasileiro passou a perder espaço para outros mercados devido à falta de proteção ao acionista minoritário e a incertezas em relação às aplicações financeiras. A falta de transparência na gestão e a ausência de instrumentos adequados de supervisão das companhias influenciavam a percepção de risco e, conseqüentemente, aumentavam o custo de capital das empresas.

Algumas iniciativas institucionais e governamentais foram implementadas nos últimos anos com o objetivo de revitalizar o mercado brasileiro de capitais, aperfeiçoando a sua regulamentação, e assegurando maior proteção ao investidor e a melhoria das práticas de governança das empresas brasileiras. Destacam-se entre elas a aprovação da Lei nº 10.303/01 e a criação do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).


I - A Reforma da Lei das Sociedades Anônimas
A Lei 6.404/76 passou por uma reforma significativa em 2001, empreendida pela Lei 10.303, de 31 de outubro. As alterações ocorridas tocam em alguns temas fundamentais do direito societário, em especial no que diz respeito às companhias abertas. Dentre os mais importantes, citaríamos os seguintes:

- nova proporção entre ações ordinárias e preferenciais (art. 15, §2º)
- alteração no regime de preferências e vantagens atribuídas às ações preferenciais (art. 17)
- reforço da disciplina relativa aos acordos de acionistas (art. 118, §§ 6º a 11);
- retorno do direito dos titulares de ações ordinárias à oferta pública obrigatória quando da alienação de controle (tag along), ao preço de 80% do valor pago por ação integrante do bloco de controle (art. 254-A)
- necessidade de realização de oferta pública obrigatória para fechamento de capital de companhia aberta (art. 4º, §§ 4º e 5º e art. 4-A)
- direito de certas minorias acionárias detentoras de determinado percentual de participação elegerem, por votação em separado, representantes no Conselho de Administração e Fiscal (art. 141, §§ 4º a 8º e art. 161, §4º).

Um dos principais objetivos da reforma da lei foi o fortalecimento dos direitos das minorias acionárias. É interessante observar que a maior parte das empresas que vieram a mercado a partir de 2004, ano que marcou a retomada das emissões de valores mobiliários, não se limitou às novas disposições trazidas pela reforma. Com efeito, grande parte dessas empresas terminou por consagrar em seus estatutos, voluntariamente, dispositivos ainda mais benéficos, sob o ponto de vista dos acionistas minoritários, do que aqueles introduzidos pela reforma de 2001. Assim, por exemplo, a quase totalidade das novas companhias tem seu capital composto exclusivamente por ações ordinárias e, quando existem ações preferenciais, estas freqüentemente dispõem de vantagens financeiras superiores às exigidas pela legislação, além do direito de voto em certas operações fundamentais, como é o caso das re-estruturações societárias. Da mesma forma, é cada vez mais comum que os estatutos aumentem para 100% o direito ao tag along conferido aos acionistas ordinaristas e, em alguns casos, também aos preferencialistas.

II - O Novo Mercado
No final dos anos 90 era evidente a crise de grandes proporções pela qual passava o mercado de ações no país. A título de exemplo, o número de companhias listadas na Bovespa tinha caído de 550 em 1996 para 440 em 2001. O volume negociado após atingir US$ 191 bilhões em 1997, recuara para US$ 101 bilhões em 2000 e US$ 65 bilhões em 2001. Além disso, muitas companhias fechavam o capital e poucas abriam.

É nesse cenário que a Bovespa cria o Novo Mercado como um segmento especial de listagem de ações de companhias que se comprometam voluntariamente a adotar as boas práticas de governança corporativa. Numa necessária adaptação à realidade do mercado de ações brasileiro, são criados dois estágios intermediários: Níveis I e II, que, juntos com o Novo Mercado, estabelecem regras que envolvem melhorias na divulgação de informações, nos direitos dos acionistas e na governança das companhias.

A idéia que norteou a criação do Novo Mercado tem seu fundamento na constatação de que entre os diversos fatores que contribuíam para a fragilidade do mercado de capitais brasileiro, destacava-se a falta de proteção aos acionistas minoritários.

A percepção, por parte dos investidores, de que corriam riscos que não eram apenas aqueles associados ao negócio da companhia, por não estarem adequadamente protegidos pela regulamentação, fazia com que eles aplicassem pesados descontos sobre os preços das ações, reduzindo o seu valor de mercado. Isso elevava o custo de capital das empresas e gerava um ciclo vicioso, pois também as afastava do mercado.

Entendeu-se que a valorização e a liquidez das ações negociadas no mercado seriam influenciadas positivamente pelo grau de segurança que os direitos adicionais concedidos aos acionistas poderiam oferecer e pela qualidade das informações prestadas ao mercado pelas empresas.

Por isso, é esperado que as companhias cujas ações estejam listadas em algum dos segmentos diferenciados de governança corporativa, nas quais os riscos não ligados ao negócio são minimizados, apresentem prêmios de risco consideravelmente reduzidos, implicando valorização do patrimônio de todos os acionistas.